segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Estória Oficial do Cemitério do Peixe

Tudo começou num Sete de setembro de setenta e sete, mas isso há dois séculos, quando o sete de setembro era só mais um dia.  Aconteceu no meio do nada, nas paragens do Paraúna, rio negro e caudaloso, que servia de rota do contrabando em bando.  Tropeiros e pais de santo do pau oco, gente de bem, de belém, também, gente boa e má, vinda de lá e de cá. Na diamantinada vila do Tijuco, um menino novo, desses bem pequeno,  roubou uma pedrinha e saiu correndo, desembestado vertente arriba, chegou no alto do morro e sumiu.  O menino cresceu rico, trocou a pedrinha por uma patente, e coronelizou a região do alto mato dentro. Mato Dentro de índio botocudo carnivoro, assim como as onça brava de cor bonita, e assim também como de portugueses paulistas das minas que viviam em guerra com si mesmos.  Num lugar de curva, perto da velha cordilheira, o Espinhaço difiçasso de atravessar, se tornou um muro que separava a liberdade da cidade, o sertão do então, o cerrado do errado. O Paraúna escolhido por ser de facil navegação, com bergantins precisos, os contrabandistas e seus bandos, contrabandeando o diamante inconstante, fugiram pros sertões bandeirantes, esquecidos pelo poder reinante, da metropole distante. O quanto antes então, se sucedeu de supetão, a construção de um quartel de patrulha, que impedia a fuga da madruga, num cantinho de traço, na borda do Espinhaço. No mapa nem existia, mas ali de vigia, os soldados ficavam. Fazendo nada o dia inteiro, quando passava alguem pediam dinheiro, e viviam na mais tranquila paz do canto perdido, onde o dinheiro vinha vindo, e quem passava pedagiava um pouquinho e sumia pro sertão. E aquele menino rico, coronel da região já velho, passando em viagem a Morro Velho,  foi roubado por um bando que fazia contrabando. De raiva ficou enfurecido por ter seu Diamante perdido, e sua patente jogada no limo das alvas pedras quartziticas, o impediu de exercer poder. Correu então em direção ao quartel, aquele mesmo da boca da fuga da madruga, e chegando ao local foi recebido com empolgação. Os soldados já queriam a forra, e dizendo na boa, - pague o pedágio coroné, e pode passar pra liberdade. 

- Ah diacho de disgreta gorda - gritou o coroné - quero raio de passar, quero que encontre quem roubou meu diamante, e quero agora, com pena de ocês serem fuzilados na praça de enforcamento. - Diacho de nadá coroné, quem roubou o sinhô, foi a gente me'z, e o sinhô que não se ajeito que a bala vai cantar.-

E num duelo contagiante, onde o coroné nem teve chance, foi ele mesmo fuzilado, e deixado de lado, jogado no rio, comido pelos peixe que foram envenenado. Passaram uns dia, e os soldados na fome de diamante, sem poder comprar nada, ficaram na pesca se alimentando. Mas o peixe envenenado pela carne ruim do coroné,  estragado de cor e cheiro, de gosto amargo e sem sal, foi devorado pelos soldados, que nem encrepúscularam, morrendo ali mesmo de desgosto, envenenados pelo próprio corpo, que profanaram. 

Dias se passaram, e de terror empalidecido, o velho Canequinho, morador desde então da região mandou logo chamar um padre, rezar uma missa e desamaldiçoar o lugar. Fez-se então um cemitério, e enterraram os corpos que já sem vida e mortos, jaziam ao relento. De piedade cristã, o velho Canequinho resolveu fazer capela, rezar com vela, e mover procissão. E desde tempos remotos, do século que já passado ficou velho, a tradição de se rezar as almas se manteve como guia. As almas alforriadas da vida terrena, agoram ajudam aqueles que penam na constância cotidiana da desajeitada e triste existência. E assim, em mês de agosto poeirento, de noite fria e vento, o lugar perdido, na quina da beirada, da fuga na entrada, se tornou sagrado para um povo, que de nada sabe o porque, mas que por tradição de rezar, transforma o lugar, num alvoçoro de gente. Vivos na cidade dos mortos, onde o que impera é o silêncio, o cemitério virou cidade, com casinhas para as almas, que vivem ao lado dos vivos, que já rezam pedindo para que quando tenha o destino final, na qual nada foge nessa terra, eles possam ter finalmente uma casa própria, mesmo que mortos de tanto esperar, vivam eternamente nas casa que serão seu novo lar. 

Quer saber onde fica esse lugar? É lá pras banda do Peixe, região do mato Dentro, no Espinhaço meridional. Lugar mágico, sagrado, coisa e tal. Além do comum e do normal, de historia popular e oral. De festa religiosa tradicional, mas que caminha para se tornar mais um carnaval. Coisa essa e tal, nada transedental. Carnal.

3 comentários:

Marcela disse...

Tive que vir até aqui pra falar de novo que ficou muito doido!
=*

Anônimo disse...

Caralho boy!
isso ficou doido demais! meio Guimarães, mas bem Oliver!
Doido

Nathália disse...

"Sertão é dentro da gente" muito belo, simples e verdadeiro.