quinta-feira, 11 de abril de 2019

João e Paulo


Depois de subir mais uma vez pelas ruas do centro antigo, onde uma linha férrea deixava sinais de que ali levaram montanha embora, na hora que dera do trem passar, João e Paulo caminhavam observando os pássaros que restaram da antiga mata, pousando aqui e acolá, onde agora é um prédio moderno com vidro e tédio para enfeitar. João ao ver o trem se aproximar avisou Paulo, que retrocedeu num passo lento de quem reage aos poucos, e nem o susto da buzina dada pelo maquinista, fez com que ele desse de acelerar o passo pra passar pro outro lado, e decidiu ficar parado. Foi por pouco que o pé de Paulo num ficou preso sob as centenas de toneladas de aço em ferro, se deslocando pelo infindável mar de morros que rodeiam as rochas expostas, os pastos e os restos da mata que sobraram desses lugares. Enquanto esperavam o trem passar, conversavam sobre a necessidade de se colocar uma placa de melhor qualidade para avisar a qualquer um que ali passasse de que o Trem podia passar a qualquer hora desde que já se soubesse a hora dele passar. Naquela tarde onde o Sol descia atrás de um morro redondo cheio de pegadas de bois que vinham dos lados do Norte, da beira do Rio que transporta ribeirinhos como João e Paulo pelos sertões afora. Agora, mesmo que quisessem banhar no rio, num tinha mais como. Desde o atentado terrorista provocado pela Vale, que detonou uma bomba geológica sobre o Rio de águas rasas, deixando-as enlameadas com o vermelho que extraímos do fundo da Terra. Tem gente que pensa que a Natureza está se vingando esquecendo que nós somos a natureza, e mesmo que ela queira ou não, só explode barragem de rejeito porque demos um jeito de construí-la. Se o sacrifício de 300 pessoas, traz benefícios para outras tantas bilhões, como julgar criminosa o atendado? Se a morte de um rio e a devastação socioeconômica se compensa com automóveis e celulares como impedir de repetirem? João e Paulo navegam no fluxo de informação perdidos em meio ao redemoinho de fake news que impede de fluírem por toda a vastidão do conhecimento humano. Entre o azul e o rosa, decidem que cada um decide a cor que quiserem vestir, e antes de seguir, compram uma dose da cana mais barata do mercado que é aquela que resulta do subproduto do etanol que alimenta os carros enquanto João e Paulo as vezes não tem o que comer. Bebem, para esquecer de que para saber é preciso estrar sóbrio e bem atento. Ao menos que se queira sentir e experienciar a dor e o prazer de viver, sob o efeito de algo que lhe tire do óbvio da consciência. Em fins, de semana a semana traçam a mesma rota do trabalho para a casa, sempre no horário em que o trem passa, só para poderem tomarem uma enquanto esperam o trem passar levando a montanha que eles antes davam rolé, para o outro lado do mundo para ser transformado no saca rolha que João e Paulo custaram para conseguirem encontrar quando o Sol já tinha se escondido bem lá do lá di lá daquele morro ali, atrás de uma casinha sem luz e sem vela, que não morava ninguém porque diziam ser uma antiga senzala. Onde o avô de Paulo nasceu sem nome e viveu até os 11 anos. Antes de fugir para capital e depois perambular de cidade em cidade até parar naquela praça, onde o trem passa. A linha ainda estala sob o efeito da expansão pelo calor gerada no atrito do ferro com o ferro que sustenta o Estado minerário falido, quando os dois atravessam a férrea linha. Do outro lado, João e Paulo seguem caminho pensando sobre quanto tempo ainda resta enquanto a lama não desce sobre suas vidas. No outro dia, quando Paulo botou o pé próximo a linha esperando tira-lo quando o trem desse de passar, nada aconteceu. Dizem que o trem parou de passar.