Depois de subir mais uma vez
pelas ruas do centro antigo, onde uma linha férrea deixava sinais de que ali
levaram montanha embora, na hora que dera do trem passar, João e Paulo
caminhavam observando os pássaros que restaram da antiga mata, pousando aqui e
acolá, onde agora é um prédio moderno com vidro e tédio para enfeitar. João ao
ver o trem se aproximar avisou Paulo, que retrocedeu num passo lento de quem
reage aos poucos, e nem o susto da buzina dada pelo maquinista, fez com que ele
desse de acelerar o passo pra passar pro outro lado, e decidiu ficar parado.
Foi por pouco que o pé de Paulo num ficou preso sob as centenas de toneladas de
aço em ferro, se deslocando pelo infindável mar de morros que rodeiam as rochas
expostas, os pastos e os restos da mata que sobraram desses lugares. Enquanto
esperavam o trem passar, conversavam sobre a necessidade de se colocar uma
placa de melhor qualidade para avisar a qualquer um que ali passasse de que o
Trem podia passar a qualquer hora desde que já se soubesse a hora dele passar.
Naquela tarde onde o Sol descia atrás de um morro redondo cheio de pegadas de
bois que vinham dos lados do Norte, da beira do Rio que transporta ribeirinhos
como João e Paulo pelos sertões afora. Agora, mesmo que quisessem banhar no
rio, num tinha mais como. Desde o atentado terrorista provocado pela Vale, que
detonou uma bomba geológica sobre o Rio de águas rasas, deixando-as enlameadas
com o vermelho que extraímos do fundo da Terra. Tem gente que pensa que a
Natureza está se vingando esquecendo que nós somos a natureza, e mesmo que ela
queira ou não, só explode barragem de rejeito porque demos um jeito de
construí-la. Se o sacrifício de 300 pessoas, traz benefícios para outras tantas
bilhões, como julgar criminosa o atendado? Se a morte de um rio e a devastação
socioeconômica se compensa com automóveis e celulares como impedir de
repetirem? João e Paulo navegam no fluxo de informação perdidos em meio ao
redemoinho de fake news que impede de fluírem por toda a vastidão do
conhecimento humano. Entre o azul e o rosa, decidem que cada um decide a cor
que quiserem vestir, e antes de seguir, compram uma dose da cana mais barata do
mercado que é aquela que resulta do subproduto do etanol que alimenta os carros
enquanto João e Paulo as vezes não tem o que comer. Bebem, para esquecer de que
para saber é preciso estrar sóbrio e bem atento. Ao menos que se queira sentir
e experienciar a dor e o prazer de viver, sob o efeito de algo que lhe tire do
óbvio da consciência. Em fins, de semana a semana traçam a mesma rota do
trabalho para a casa, sempre no horário em que o trem passa, só para poderem
tomarem uma enquanto esperam o trem passar levando a montanha que eles antes
davam rolé, para o outro lado do mundo para ser transformado no saca rolha que
João e Paulo custaram para conseguirem encontrar quando o Sol já tinha se
escondido bem lá do lá di lá daquele morro ali, atrás de uma casinha sem luz e
sem vela, que não morava ninguém porque diziam ser uma antiga senzala. Onde o
avô de Paulo nasceu sem nome e viveu até os 11 anos. Antes de fugir para
capital e depois perambular de cidade em cidade até parar naquela praça, onde o
trem passa. A linha ainda estala sob o efeito da expansão pelo calor gerada no
atrito do ferro com o ferro que sustenta o Estado minerário falido, quando os
dois atravessam a férrea linha. Do outro lado, João e Paulo seguem caminho
pensando sobre quanto tempo ainda resta enquanto a lama não desce sobre suas
vidas. No outro dia, quando Paulo botou o pé próximo a linha esperando tira-lo
quando o trem desse de passar, nada aconteceu. Dizem que o trem parou de
passar.
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