quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Tempos de chuva

O dia cinza nem claerou. Escurecido de nuvem, o céu quase que queria desabar em peso sobre o Mato Dentro. Na casa de Sô Domingos, dona Joana fervia água pro café, ralava um queijo velho e tirava do forno uma broa amarelada de fubá. Em reza baixa, pedia a São Miguel que livrasse seus menino do mal, na dificultosa travessia da cordilheira. Era pra mais de 8 légua que se tinha que andar, e por causa dum trabalho prometido aos menino, lá tava eles em meio de pirambeira de subida. Dona Joana fitava o santo de rabo de olho, santinho pequeno, de madeira entalhada, e tintura desgastada. A chuva beirava o chão, e o seu cheiro bom já tomava conta do lugar. Fazia ja uns dia que o cinza era a cor do lugar. O barro do chão já nem incomodava mais, de tão constante que era. Sô Domingos limpava uma bota velha, e relembrava uns tempos passados, de quando a usava. Tava de ir pro pasto, mas esperava a chuva cair primeiro. 

No alto da serra, Filipe, João e Lucas andavam em meio de nuvem. Caminho dificultoso, que nunca tinham feito. Travessar cordilheira por aquele caminho, era de pouco uso. Alto de serra, tem nuvem. E do lado do Mato Dentro sempre que tem. De manha cedo então é que é lei. Lei natural, de vento, e umidade. Evaporada do mar, as gota d'agua perambula no continente, até a cordilheira, onde tem que subir numa esteira invisivel. Quando sobe, não tem jeito. Condensa. E ai, chove. E o Mato Dentro quase se desmancha em tédio. Tédio de chuva que não passa. Chuva de dias. Dias de chuva. Outubro era um bom mês, mas já um tanto chuvoso. No alto, os menino quase não enxergavam o caminho. Tavam dentro da nuvem, tudo branco e cinza. Orvalhado. Deu-se que tinham de travessar. E num se podia ficar parado. Já era o segundo dia de subida, e tinha ainda muito por andar. Lá embaixo, mãe Joana se encolhia na cozinha, em fuga de pingo que goteirava. Chão de balde e bacia. Tedioso pinga-pinga. No alto ainda não chovia, tava-se mesmo era dentro dela. Quase que num constante molhar. O caminho em subida, não aliava o cansasso. No bucho, só um pão sem café. Num se conseguia fogo em meio ao oceano invisivel, ao qual submersos, caminhavam. 

Passou-se uma hora, o dia já beirava ao meio, e nada de se chegar no topo. Um calor frio tomava conta. Suor de umidade, juntado do vento frio que empiramberava na borda da serra. Prenuncio de chuva. E chuva era o que veio. Forte. De pingo largo, e duro. Os menino em subida já procuravam um abrigo em grota de pedra. Mas dai que por milagre, ou por acaso de sorte, o telhado de uma casa foi avistada. Era casa antiga, de pouso. Um curral abandonado, fazia divisa com um terreiro já tomado pelo mato. A casa era assustadora. Velha, em desmancho. Mas não tinha como não entrar, a chuva era fria e muito molhada. A porta principal foi aberta. Era estreita e baixa. Dentro se tinha três pequenos comodos. Um quarto era o comodo principal. Ao lado um outro quarto, bem menor, pra uma pessoa. Uma cozinha completava o humilde casebre, de adobe, e telha de barro, resistia bem a chuva. Lá dentro era estranho. Escuro e empoeirado. Ar dificil, e com suposição de bicho peçonheto. Aranha era o que mais tinha. Mas não tinha como os menino sair. Tinham de se acostumar com o casebre. Uma vassoura de bruxa se escondia por traz da porta da cozinha. Havia uma outra entrada, ou saída. Era na cozinha, portinha miuda como a outra. Um fogão a lenha usado de tempos atrás, jázia junto de baratas. Tinha em cada comodo, camas simples, de galho, bambu e palha.  A chuva deu uma trégua, era tempo de sair. Mas num desandar de indecisão, o caminho tinha-se perdido. Para onde seguir? A incerteza foi aliviada pela chuva. Mais e mais. Veio de repente. Tiveram de voltar pro casebre, e lá repensar o caminho. Barriga roncava em pedido de comida. João tirou um pão da mochila. Era um pãozim e tinha uma manteiga boa de roça, que Lucas boto ao lado do fogão. As baratas foram expulsas no tapa, e o lugar começou a ficar mais salubre. As portas e janelas foram abertas, e redemoinhos de folhas caídas há tempos, surgiam aqui e ali. Filipe tirou o fumo, mas tava todo molhado. E em desando de desanimo, desistiu do trago. 

A chuva continuou caindo, e o tempo era tedioso. Em discussão os irmãos se entretiam. E quase que não sabiam como seguir. Lucas dizia que não era necessário tamanha aventura. Queria era voltar pra casa, ajudar na roça, e comer comida de mãe. João já dizia que era logo ali, só mais um pouco, que do outro lado se veria o planalto que teriam de andar por um ou dois dias até chegarem na fazenda que tinha trabalho. Filipe pegou o queijo que guardava na mochila, tirou um tái, e comeu em alegria contida. Gostava demais de queijo. Depois de comer, disse que o caminho era subindo, e erro não tinha. As horas foram passando, e o tédio chuvoso já era parte do dia. De costume, os menino já não mais achavam ruim a chuva. Só angustiavam na duvida do caminho. Queriam de logo sair do casebre abandonado, e seguir serra adentro. Lá embaixo, em reza, mãe Joana seguia na cozinha, enquanto Sô Domingos aventurava-se na chuva lá fora. Reza de mãe é bruta, e logo deu-se trégua de chuva, e o céu começou a clarear num branco que ia se raleando. 

No alto, o casebre ia ficando pra tráz, e os menino seguiam rumo ao imaginado trabalho. Caminho dificultoso, mas melhor que ficar no tédio, prisioneiro da chuva. Lama e barro, já era passado, e nas rochas da cordilheira, o caminho era até facil. Lá embaixo, mãe Joana se via feliz, tava mais tranquila com o fim da chuva, e num tinha mais que se preocupar com procurar goteira. A noite ia chegando, e depois de dias de chuva, se avistou uma estrela. Por ali era o seguir. E os menino chegaram na fazenda pro trabalho. A longa travessia, tinha ficado pra trás, e o Mato Dentro em prantos não se encontrava. Tava radiante de sol, dia após dia, até a volta dos menino. Mãe Joana mais uma vez, pedia e era atendida. Era mãe, e sabia reza. Os menino já era crescido, mas o coração da mãe não sabia. A chuva tediosa, no fim era o motivo mais certo, pra reunião de familia.

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