sexta-feira, 19 de agosto de 2011

A triste e decepcionante estoria de nosso héroi Severino

Essa não é uma historia feliz. É um tanto quanto depressiva, e aviso aos leitores que por vossa conta e risco é que continuarão a ler. Essa decepcionante historia começa no interior do mais fundo grotão, do lúgubre sertão serrano de Água Suja, cercania do além Gerais. Lá se deu o nascimento de nosso herói, João Nonato Severino da Silva, homem simples de boa fé e desbotado. Em vida amargurada, Severino foi homem sem terra, sem casa, sem lugar. Exilado em processo, do dito tal qual dito progresso, viveu nem cá nem lá, sempre nos meios, nos acessos. Era meiado do ano de 47 quando nosso herói beirava os 7 anos e meio, e se dera que em sua terra, havia se espalhado um mal malariado. Em constante febre, povo amarelado. A morte de sua mãe lhe deixou desalmado e cabisbaixo. Depois disso nunca mais viu o céu, porque não havia de ter coragem de olhar pra cima. Em meio à desgraça sanguínea, a família de nosso herói migrou, sem terra sem lar, lá pras banda do Brejo do Lamaçal, que em seca de agosto não tinha mosquito nem morte. Nas bandas do Brejo do Lamaçal era o seco outubro de 51, ano mal dado. Houve no lugar, a necessidade de se fazer ligação, entre a capital do norte e o capital do sertão. Era levar dinheiro povo perdido naquele lugar, deixarem de ser capiáis para modo poderem comprar, e se tornarem cidadãos da nação tão distante de lá. E por acaso de azar ou sorte a estrada passaria exatamente em cima do miserável casebre de nosso herói, que mais uma vez, em apressada hora, teve de se mudar.

A família reunida em desanimado andar, caminhava em direção ao futuro, sem saber aonde chegar. Passaram-se dias e dias em longa travessia de serra, e lá do lado do oceano em meio à mata exuberante deram de se aconchegar. Foi quando em 56, Severino deu-se de se apaixonar. Casou-se com uma doninha cabocla, a ultima virgem do lugar. Construíram então um casebre para morar, lá no canto do córrego da Água Turva embrenhados na mata ciliar. Mas sem antes poderem completar a nupcial noite de amor e paz, vieram aqueles homens de capacete, de calça jeans e camisa social, dizendo que agora aquela área teria de ser deixada, para o desenvolvimento nacional. E quando ousou questionar o motivo de tal construção, Severino foi duramente reprimido acusado de ser contra a nação. Acuado sem canto seguiu ouvindo o pranto de sua nova companheira, sem terra e sem casa como sempre em sua vida inteira. Foi se embora dali deixando a ferrovia passar e sabia que para onde iria nada mais iria atrapalhar, procurou o lugar mais longe em meio a mais longínqua serra, lá na base do Pico da Ilusão, perdido na serra da Perdição. Lá era seguro, pois não havia estrada que chegasse, nem progresso que o expulsasse, ficaria ali feliz e iludido de sua falsa segurança, pois em meados do ano de 67 avistou a longa distancia aqueles capacetes brancos e o desespero logo bateu. Chegaram em rápida conversa dizendo que aquele lugar, não mais o pertenceria e sim àquela grande empresa, seria agora da LigthCompany que faria com o pequeno riacho de nosso herói, uma imensa represa. Sem tempo de questionar, sua casa naufragou sem sair do lugar, e submerso sem destino, pois se então a nadar até que encontrou longe dali, seu mais novo lar, no Chapadão do Castigo construiu seu abrigo longe de qualquer lugar.

Mas dessa vez foi em 74 que o capacete branco reapareceu, com um crachá no peito logo disse que a nação precisaria daquele lugar, para que sua elite, pudesse se divertir em seus aviões e um grande aeroporto foi construído, em cima da casa de Severino. Dessa vez já com seus sete filhos crescidos teve de partir sem entender o sentido, pois dessa vez até o transporte que não precisa de estradas o tirou de sua morada. Mesmo passando noventa e oito por cento do tempo no ar, o avião que raramente fica no chão, tomou seu lugar. Partiu em desanimo e desassossego, para sua mais nova estadia, era lugar remoto, na beira de uma ferrovia, e já sorria feliz com desmedida alegria, pois tão perto de uma estrada, nada mais dali o tiraria. Nosso herói sempre errado, viveu apenas cinco anos ali, pois uma grande estação ferroviária começaram a construir, e não é que por um acaso de azar a tal estação tinha de ser feita logo ali. Severino dessa vez aceitou, e passou uma década a andar, morando em cidade e cidade sempre a trabalhar, mas sem conseguir juntar dinheiro nenhum que desse para comprar o mais simples casebre no sertão de qualquer lugar.

Passou então outros anos, e chegou à vez de tentar a vida na cidade grande a famosa metrópole tão difícil de decifrar. Sem sorte na vida, sua mulher havia morrido na noite que deu a luz ao seu sétimo filho, triste sina desse homem, nosso herói em questão que sempre na linha do progresso, do progresso nunca fez questão, afinal o progresso não era pra ele, nisso nunca botou a mão. E na metrópole sem lar, viveu mendigando sua alimentação, e com muito suor e sacrifício, muitos anos depois de largar os vícios que a cidade coloca em seus desafortunados filhos, Severino comprou tijolo e telha, e fez um barraco na vilazinha do Córrego do Fundo; lugar de metrópole, rio sepultado, em asfalto e concreto para que passassem os carros. E ali em meio a tantos outros barracos, cercado de tantos outros desafortunados sem emprego e humilhado, Severino catava papel aos bocados e vendia no atacado. Sucedeu então que por tal azar constante que Severino não poderia ficar em paz nem por um instante, e não mais poderia ali morar, pois no lugar uma tal Copa do Mundo dessa vez veio lhe retirar. Era avenida para os carros e Severino mais uma vez do tal progresso não poderia aproveitar, pois era o resto da sociedade, expulsa por não ter lugar. A privação do espaço, o sagrado ato de privar, que o reinado capitalista trazia a todo e qualquer homem de todo e qualquer lugar. No fim de tudo sem saber, Severino veio a morrer de desgosto profundo em pesada embriaguez, caiu jaz na Rua João Imundo no morro do Eterno Sofrer. Mudou de estado civil e passou a pertencer ao de indigentes, e para que o eterno progresso continue, foi usado muito tempo,como cobaia de estudantes de medicina da universidade, pois não havia como enterra-lo, era caro demais na cidade.

Nosso herói representa não só um mas toda uma classe de brasileiros sem pátria expulsos de suas terras, para que o tal e inquestionável progresso se dê. Triste historia fictícia, triste por ser baseada no real. Homem sem pátria é homem sem lugar, homem triste é homem sem ter onde morar.

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