segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Varzeando

Cai à noite na Bhbilônia, o ar desce frio da montanha e gela a metrópole na montanha. Lá embaixo na várzea do Arrudas, desço do ônibus na Praça da Estação e logo procuro abrigo em algum bar lama da região. Venta frio lá fora. A praça é uma grande área concretada e aberta sem lugar para se proteger. Ainda está muito cedo para curtir um rock, por isso resolvo subir para o pico mais alto do Baixo Centro, o edifício Maletta. Lugar sagrado para alguns varzeanos, faz parte do circuito lamístico da várzea, que inclui também lugares clássicos como Bordello, Vagalume , e toda uma gama de bares que dominam a região a noite.

Para passar o tempo peço uma cerveja no balcão e sento olhando para os azulejos viajados do lugar. A cerveja vem trincando, gelada, dessas mofadas. Um gole e logo peço um acompanhamento clássico da dieta de um varzeano, um torresmo com limão. Explosão de sabores. O relógio caminha lentamente, mas após a terceira cerveja, vejo que já é hora de ligar para alguns varzeanos que devem estar de bobeira pelo Baixo Centro. O Baixo Centro da Bhbilônia é um local reservado ao comercio popular durante dia, e a boemia lama à noite. Se de dia o Baixo Centro dá arrepios no varzeano, a noite entre o Viaduto Santa Tereza, até o fim da avenida Augusto de Lima com Contorno, ele se sente em casa. E é a noite que me sinto bem perambulando pela região. Não há temo porque faço parte dela, e embriagado como todos os outros que por ali vagueiam, fico conectado na mesma realidade que todos que ali estão. Os varzeanos perambulam toda a noite em busca de uma diversão barata e que lhe tire da realidade maldita em que vivem, pois sabem que é a noite que a vida faz sentido.

Saí do Maletta e desci em direção aos bares da Rua Aarão Reis, em frente aos pontos de ônibus ainda lotados, mesmo sendo 23h da noite. São os últimos ônibus partindo, quem ficar só poderá voltar no outro dia de manha, e perambulará por bares que irão ir fechando um a um, até que sobre apenas o Vagalume, lá na baixada da Rio Grande do Sul. Lugar esquecido da metrópole, essas ruas são desagradáveis de dia, mas incrivelmente vivas a noite. Encontrei alguns amigos no bar próximo ao viaduto Santa Tereza, onde comemos uma porção de tropeiro tão servida, que alimentaria quatro adultos famintos. Pesado. Seguimos para o Mercado Novo, onde iria acontecer um movimento cultural independente de BH, lugar diferente do resto, ilhado em meio a várzea, onde a burguesia cultural se diverti. No caminho até lá, passando pelos vários lugares do baixo centro, demos a volta pelo lugar mais deplorável da metrópole, na região da rodoviária, embaixo do elevado de viadutos que levam todos para longe dali.

O crack domina a região, e várias pessoas cambaleiam em desacerto de passo, sem reação e sem perspectiva de vida. Essas pobres almas que habitam a várzea foram deixadas de lado por deus, e obrigadas a viverem no purgatório terreno. Quem sabe não seria o inferno? Enfim, caminhamos tranquilos, pois embriagados nada pode nos dar medo. Depois de dois bares onde fizemos paradas estratégicas para tomar uma dose da pior cachaça que existe em Minas, chegamos ao Mercado Novo, na Olegário Maciel. Era meia noite, e antes de subir passamos no Vagalume para tomar a cerveja mais barata do Centro da Bhbilônia. Uma Original valoriza a vida do varzeano assim como a água benta para o católico, então entre originais e batatinhas encharcadas de óleo, perdemos a noção do tempo e já era quase 3horas. Hora então de tentar entrar, subimos as escadas do Mercado e na euforia do álcool, conseguimos pular a escada e entrar antes de passar pelos seguranças. O álcool permite que façamos coisas que não faríamos normalmente. Além da euforia, há também um estado de imoralidade que permite agir sem que a consciência o incomode. Lá dentro tava rolando um Dj que tocava um Dub Jamaicano, mas logo ficamos enjoados disso, pois a cerveja era muito cara, então decidimos sair fora e voltar lá para o tradicional Bordello, um bar boate que surgiu transformando a noite na região. Dessa vez alguém de carro aparece e nos dá uma carona, até a rua da Bahia com Tupinambás na padoca 24h que sempre salva nessas horas. Laricamos alguma coisa entre uma empada e um pão pizza, e fomos para a porta do Bordello vê o que pegava. Já era quase 4horas quando chegamos e o movimento já estava por terminar, apesar de uma galera ainda estar na porta.

Entramos sem pagar de novo, pois já estava tarde e depois disso não me lembro muito do que rolou. Alias lembrar de toda a noite não é uma coisa digna de um varzeano, pois só a amnésia pode nos livrar do sofrimento diário. Quanto menos se lembra melhor é. No fim, caminhando até a Caetés com Espírito Santo, vejo meu balai vir milagrosamente as 6:30 da manha, e melhor ainda, era um horário que o ônibus era Retorno, e não daria a volta pelo centro. Fim de energia, dormir no ônibus até despertar assustado em meu bairro. Mais um dia de rock, mais um dia de vida, mais uma noite varzeana, na metrópole vadia.

Um comentário:

Cris Madeira disse...

Artista geógrafo.
Compondo com o tempo/espaço.

;)