domingo, 15 de abril de 2012

Sobre homens de fé

Sobre homens de Fé

Naquele instante de noite, descia de norte rumo ao centro dentro de uma caixa metálica que se deslocava a 60km por hora, sobre concreto e sob a luz laranja. Os postes iluminam a imensa avenida, ofuscando a sombria idade da pedra dos arredores. Enquanto os homens sem alma vagam pelo centro em cambaleante zumbizar, eu sigo em alegre sensação ouvindo música dançante. James Brown combina muito com todo o cenário da metrópole alaranjada. No centro, salto da grotesca maquina de deslocamento de massa, que leva o mineiro as minas, de onde tiram seu sustento todos os dias. A fome me levou ao templo maior do varzeano, e no Malleta adquiri o primeiro torresmo da noite. Um gole em uma cerveja gelada, transforma todo o amargor da cidade em prazer por ela existir. E ali começo a noite encontrando amigos, seguindo caminhos, indo aonde minha vontade me levar. Na baixa Bhbilônia, aprendi a andar entre os sonhos dos que dormem nos poleiros sobre nós. Os prédios resmungam cores abstratas e sombrias, acima da luz laranja que nos ilumina ali na rua. Num canto de quarteirão, uma pequena sala dava espaço a um culto evangélico, que soava em musica e cantoria, louvor e adoração. Era exatamente aquilo que buscava ali na várzea, as mesmas vontades que aquelas pessoas, os mesmos prazeres, as mesmas sensações. Assim como o crente, busco na várzea a minha salvação, a minha alegria, a minha diversão. Decidi então ir a um bar fechado, desses que se tem que pagar um dízimo na porta para entrar, e lá dentro louvei religião varzeana, que valorizo e a distingo de todas as outras, por acreditar que ela é feita de arte e cultura. Nada mais que uma religião, ou uma tribo, ou mesmo um grupo na sociedade metropolitana, tendo a acreditar que sou superior ao crente, por achar que ele busca na sua ignorância apenas a salvação. Porém mais do que a salvação, ele também busca a arte, a musica, a dita cultura. Ele sai de casa e se arruma da melhor forma, porque quer se sentir bem para pratica do culto, assim como eu. Da mesma forma busco um lugar com pessoas conhecidas, um coletivo que busca a mesma coisa, esse sentimento de grupo e união tão gostoso que faz do ser humano ser o que é. E eu que julgo gostar de musica, percebo que os que os crentes mais gostam é de cantar os hinos, da mesma forma que cantamos os nossos hinos quando alguma banda ou um jukebox qualquer os toca. Nada mais interessante no ser humano que a capacidade de buscar as mesmas coisas por vias diferentes, e na metrópole são tantos os caminhos que julgamos crer que há homens que estão perdidos, ou na contra-mão. Mas no fundo todos estamos ali, entrando no Templo Maior, no Mineirão, no Maletta, em busca da mesma coisa, em busca da mesma emoção. A adrenalina gerada por um gol, por um beijo ou por um grito de um pastor eufórico. O abraço de um desconhecido no estádio, o trombar dos bares lotados, o louvor de mãos dadas. A mesma troca de energia, as mesmas euforias, é o que é buscado.

Com arte, a igreja Católica se tornou dominante de tudo, porque não só de pólvora e fogueiras viveu o mundo. A arte é o algo incrível que é, por que é o que toca o homem. É o que lhe mais exprime sentimentos. Não é atoa que Michelangelo, Aleijadinho, e tantos outros gênios do mundo, pintaram e esculpiram para a Igreja, e que igrejas. Construções monumentais que perdidas no mundo rural pré-bhbilônico, destacavam-se em beleza arquitetônica. Pedras empilhadas que resistiam à gravidade de uma forma tão magnífica, que era claro que as pessoas iriam admirá-la ao entrar dentro dela. E dentro havia pinturas, esculturas, ouro reluzente, estátuas, e toda uma gama de arte espalhada para impressionar, e os homens sentiam-se felizes em ir naquele lugar tão bonito, que hoje em geral virou museu de turistas. Não só a arquitetura e as pinturas faziam parte das igrejas, mas toda uma gama de cerimônias e eventos que atraia as pessoas, pois a igreja era reunião. E ai nas distancias das roças, a igreja reunia centenas de pessoas, para juntos e em comunhão, cantarem musicas, se abraçarem, desejarem coisas boas uns aos outros. O teatro dos padres representando a cena mais encenada da história, por dezenas de milhares de pessoas ao longo de quase dois mil anos, o ato de partir o pão e beber o vinho, que também leva ao publico que o vê a arte da encenação. Quantas peças não eram feitas, quantas procissões e outros eventos de grande porte que levavam centenas de pessoas a se reunirem e atuarem não aconteceram? Obvio que as imposições, guerras, genocídios e tudo mais não podem ser negados, e não nego a moral dos escravos. Porém, mesmo hoje é possível ver que as pessoas vão ao Templo Maior e doam dízimos ao pastor, porque lá é um lugar muito bonito, uma construção gigantesca que se fosse um teatro, seria para os ditos cultos, bem melhor. Se o Templo Maior fosse um teatro, não haveria restrições para que ele fosse construído, mas por ser fruto de uma igreja capitalista, lavagem de dinheiro explicita, se tornou um local maldito da cidade para aqueles que não cultuam ou professam a mesma fé. Pagamos dízimos para times de futebol e para o governo para assistirmos a um jogo, do mesmo modo que os evangélicos doam dinheiro para a igreja. O que queremos é ver arte, uns pagam adiantado, outros parcelados, as desculpas são as mais variadas, mas no fundo só queremos cantar nossos hinos, louvar nossos senhores e abraçar amigos e desconhecidos.

Desde os tempos em que conheci a Cidade das Almas, nunca mais deixei de acreditar que o que o homem busca é apenas diversão e arte. Comida e saúda vem como determinantes básicos. Os pobres homens bhbilônicos vivem enjaulados nas suas pobres e remotas diversões, nos poucos tempos para isso, nos poucos momentos. E ai não há como escolher outros caminhos, outras opções, pois do trabalho para casa, apenas um bar, um jogo, uma pelada, ou uma missa se tornam opção. Embreagado de felicidade no fim da noite, deixo o lugar de culto, feliz, festejando os amigos, e combinando o próximo encontro, o próximo culto. E ai temos que trabalhar para pagar o dizimo e enriquecer algum dono de bar, que vende a minha fé parcelada. No mais, claro que a imposição ideológica e social vária de culto para culto, e não temo em acreditar que o meu culto é o que possui a maior liberdade para viver na metrópole, mas também sei que assim como os crentes, eu também busco a salvação, sob a luz laranja da Bhbilônia. Salvação que está nas artes, nas musicas, nas apresentações, nas ditas culturas. Pois o que é a cultura, se não a reunião de costumes de uma mesma nação? Sou da nação dos varzeanos, metropolitanos noturnos, homens boêmios, e busco assim como os crentes, viver a minha cultura, os meus costumes, a minha tradição. Fé é comum a todos, pois somos homens cultuadores. Homens que necessitam de algo a mais, que a metrópole insiste em nos tirar, em nos fazer esquecer. Mas enquanto houver fé naquilo que eu fizer, sei que estarei a salvo do mundo, do além, de deus ou de quem vier. Só há a necessidade de respeito, pois havendo respeito há liberdade. Sob a luz laranja cultuo o desejo de viver e fazer sempre novas amizades. Ser igual e diferente, ateu e crente. Pois religião não se discute, se vive, sente!

Nenhum comentário: