quarta-feira, 25 de julho de 2012

Século Vinteum


Essas noites alaranjadas e poluídas do século vinteum, me fazem relembrar a lúgubre Londres de séculos passados, em volta a fumaça das chaminés, e a neblina constante. Imagino sempre uma miséria horrível, talvez mais horrenda que as do século XXI, porém menos cruéis. No caminho da várzea belorizontina, na monstruosa maquina de metal que corta imensas vias feitas de concreto, em velocidades de cruzeiro, sacolejo entre o metal e o plástico durantes longos minutos. Um truculento teletransporte espacial na cidade, que varia o tempo de percurso a cada viagem. E nessa viagem sob a luz branca das fluorescentes lâmpadas do Balai, nome dado ao ônibus nestas terras, atravesso em pálida ilusão, vendo sob a luz laranja dos imensos postes que iluminam toda a avenida, vejo o termômetro marcar frios 15ºC que gelam a alma dos pobres homens que não têm onde morar. Ali dentro, devidamente vestido me sinto em agradáveis 22ºC, temperatura ideal para nossa espécie se sentir bem. Um vento entra pela janela a 60 km/h gelando a parte final do ônibus. Mas ali na frente, tava tudo tranqüilo ao som de uma banda jamaicana. A experiência da ofuscante luz branca, a vertigem do deslocamento acelerado, a inconstância do relevo, o sacolejo desnorteante, a vaga interpretação da realidade ocasionada pela imersão que a musica lhe causa ao obrigar a audição a ser o sentido mais usado, deixando mais vaga ainda a lembrança das imagens, faz do Balai uma maquina capaz de alterar o estado de consciência vagamente dos atordoados e cansados homens metropolitanos. A revolução digital trouxe algo muito interessante para nós homens do século vinteum. Transformou o Real em Incrível. O ciborguismo dos dias atuais nos condicionou a uma vivencia fantástica e incrível, e ainda sem entendermos bem, afundamos mais e mais nessa nova realidade que alia o virtual ao real. E o real passou a ser tão saboroso, que chega a ser engraçado.  Logo que o Balai chegou à várzea, desci e submergi de volta ao mundo real.  Sem mais a música, o barulho das maquinas dominavam o ambiente, e a realidade dura e cruel cuspiam em mim o sufocante monóxido de carbono gerado pelos motores que deslocam as massas. Ao meu lado, milhares caminham cada qual em uma realidade. Vários ouvem musica, outros falam ao celular, outros ainda comunicam-se com várias outras pessoas por redes sociais. Todos ali fora de si, distraídos. No bar, encontro os amigos e acho tão gostoso o calor do abraço, o falar, o ouvir, o sentir, que chego a me emocionar porque a vida é simplesmente real. Acostumados a passar mais tempo no virtual que no real, preso ao muro de lamentações, ou nos campos de trabalho forçado espalhados por todos os cantos, as pessoas perderam o costume de viverem a realidade. Mesmo com toda transformação virtual do mundo, ouvir uma musica ao vivo é uma experiência tão forte, quanto era a 10mil anos atrás. Ver uma peça de teatro, comer uma coisa gostosa, ver falar ouvir pessoas diversas, se tornou prazeroso. O virtual trouxe algo que já tínhamos, mas talvez o elevou. Sentimos-nos tão presos ao vácuo do espaço virtual, onde nada realmente existe, que a vida real começou a ser rara e por isso mais valorizada. Ninguém ainda em meio à revolução percebe que sua vida é totalmente cercada e influenciada por maquinas. Ciborguismo com os celulares, tabletes, mp3s, câmeras, toda essa gama de objetos que transformam o real em virtual. O virtual começa aos poucos a influenciar muito o real, e ainda não conseguimos perceber os riscos, ou as dádivas que a tecnologia pode nos trazer, porque não se pensa em refrear a tecnologia, apenas em desenvolver. Para quem? Pra que? Daqui uns anos, quando o virtual influenciar mais e mais diretamente no real, nos assustaremos com o tamanho da encrenca gerada, porque uma sociedade virtual, não é solida. Esvai-se sem luz. Luz essa que nas alaranjadas noites Bhbilônicas, brilha em milhares de dispositivos que gostam de iluminar. Muita luz para todos nós, que nossos tabletes possam no salvar.

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