Essas noites alaranjadas e poluídas do século vinteum, me
fazem relembrar a lúgubre Londres de séculos passados, em volta a fumaça das chaminés,
e a neblina constante. Imagino sempre uma miséria horrível, talvez mais
horrenda que as do século XXI, porém menos cruéis. No caminho da várzea belorizontina,
na monstruosa maquina de metal que corta imensas vias feitas de concreto, em
velocidades de cruzeiro, sacolejo entre o metal e o plástico durantes longos
minutos. Um truculento teletransporte espacial na cidade, que varia o tempo de
percurso a cada viagem. E nessa viagem sob a luz branca das fluorescentes lâmpadas
do Balai, nome dado ao ônibus nestas terras, atravesso em pálida ilusão, vendo
sob a luz laranja dos imensos postes que iluminam toda a avenida, vejo o termômetro
marcar frios 15ºC que gelam a alma dos pobres homens que não têm onde morar. Ali
dentro, devidamente vestido me sinto em agradáveis 22ºC, temperatura ideal para
nossa espécie se sentir bem. Um vento entra pela janela a 60 km/h gelando a
parte final do ônibus. Mas ali na frente, tava tudo tranqüilo ao som de uma
banda jamaicana. A experiência da ofuscante luz branca, a vertigem do
deslocamento acelerado, a inconstância do relevo, o sacolejo desnorteante, a
vaga interpretação da realidade ocasionada pela imersão que a musica lhe causa
ao obrigar a audição a ser o sentido mais usado, deixando mais vaga ainda a
lembrança das imagens, faz do Balai uma maquina capaz de alterar o estado de consciência
vagamente dos atordoados e cansados homens metropolitanos. A revolução digital
trouxe algo muito interessante para nós homens do século vinteum. Transformou o
Real em Incrível. O ciborguismo dos dias atuais nos condicionou a uma vivencia fantástica
e incrível, e ainda sem entendermos bem, afundamos mais e mais nessa nova
realidade que alia o virtual ao real. E o real passou a ser tão saboroso, que
chega a ser engraçado. Logo que o Balai
chegou à várzea, desci e submergi de volta ao mundo real. Sem mais a música, o barulho das maquinas
dominavam o ambiente, e a realidade dura e cruel cuspiam em mim o sufocante monóxido
de carbono gerado pelos motores que deslocam as massas. Ao meu lado, milhares
caminham cada qual em uma realidade. Vários ouvem musica, outros falam ao
celular, outros ainda comunicam-se com várias outras pessoas por redes sociais.
Todos ali fora de si, distraídos. No bar, encontro os amigos e acho tão gostoso
o calor do abraço, o falar, o ouvir, o sentir, que chego a me emocionar porque
a vida é simplesmente real. Acostumados a passar mais tempo no virtual que no
real, preso ao muro de lamentações, ou nos campos de trabalho forçado
espalhados por todos os cantos, as pessoas perderam o costume de viverem a
realidade. Mesmo com toda transformação virtual do mundo, ouvir uma musica ao
vivo é uma experiência tão forte, quanto era a 10mil anos atrás. Ver uma peça
de teatro, comer uma coisa gostosa, ver falar ouvir pessoas diversas, se tornou
prazeroso. O virtual trouxe algo que já tínhamos, mas talvez o elevou. Sentimos-nos
tão presos ao vácuo do espaço virtual, onde nada realmente existe, que a vida
real começou a ser rara e por isso mais valorizada. Ninguém ainda em meio à
revolução percebe que sua vida é totalmente cercada e influenciada por
maquinas. Ciborguismo com os celulares, tabletes, mp3s, câmeras, toda essa gama
de objetos que transformam o real em virtual. O virtual começa aos poucos a influenciar
muito o real, e ainda não conseguimos perceber os riscos, ou as dádivas que a
tecnologia pode nos trazer, porque não se pensa em refrear a tecnologia, apenas
em desenvolver. Para quem? Pra que? Daqui uns anos, quando o virtual
influenciar mais e mais diretamente no real, nos assustaremos com o tamanho da
encrenca gerada, porque uma sociedade virtual, não é solida. Esvai-se sem luz.
Luz essa que nas alaranjadas noites Bhbilônicas, brilha em milhares de
dispositivos que gostam de iluminar. Muita luz para todos nós, que nossos
tabletes possam no salvar.
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