segunda-feira, 3 de maio de 2010

Meu objeto de estudo

Segue ai um texto grande que resume o que eu pretendo estudar na minha monografia. Meu objeto de estudo agora é a própria. Vamo ve no que da.


Bem, tentando entender o que quero estudar no cemitério do peixe, percebo que a grande verdade por traz da escolha do lugar, está no fato de lá ser um lugar onde poderei exercer toda a minha idéia de geografia e fazer minha critica ao academicismo. Todos sabem já da minha critica a esses métodos acadêmicos baseado em muita informação alheia e pouca criatividade sua. Pega tudo dos outros e bricolam em artigos sobre um espaço qualquer. A criatividade aparece em um único momento, o da escolha do tema. Geografia é algo além de dados, números e teorias “istas”. Eu enxergo hoje a geografia como uma ferramenta que traduz a realidade, que lhe mostra aquilo que você vê, mas não enxerga.
Usar essa ferramenta apenas como um modo de se fazer censo, ou apenas com formulas e números, ou com teorias que tentam explicar em parte o todo, no meu ver é inutilizar um tanto ela. Essa tecnologia que ao longo da historia humana vem sendo desenvolvida, pra mim é muito difícil de ser usada, mas depois de dominar o modo de utilizá-la, sua visão do espaço que vivemos mudará completamente. Hoje percebo como fazer geografia cotidianamente é interessante. Sem formulas, sem teorias, com a cabeça livre e aberta, para não só ver, mas sentir o mundo. Usar todos os sentidos para geografizar ambientes diferentes, em momentos diferentes. Os geógrafos comuns, livres da academia, fazem uma geografia que eu acho muito pura, simples e interessante.
Conversando com um senhor em uma cachoeira em Congonhas do Norte, ele matuto do mato sabia muita geografia. Claro, ele não sabia a teoria marxista, nem a ligação dele com a globalização, mas ele sabia que naquela região tinha 42 cachoeiras, que ele conhecia o caminho de todas, e memorizava em mapas mentais, toda a região. Incrível a capacidade de descrição do espaço que ele conhecia. Mas não é só para descrever o mundo que serve a geografia, e o senhor me dizia que a região vivia da produção do gado, do eucalipto que chegava agora e estava mudado a região um pouco. Sobre a festa do Cemitério do Peixe, que é o meu local de estudo, ele contava como era interessante essa gentança que vai a festa.
Essa geografia popular traz consigo a capacidade de não só descrever visualmente a paisagem, mas de descrevê-la em toda sua natureza. Quando ele lhe conta um caso e descreve o ambiente, ele transmite além da descrição do lugar, o que ele transmite para a pessoa que o vivencia. Dor, alegria, tristeza, cansaço e paz são possíveis de serem imaginadas, e combinando com a descrição da cachoeira, da estrada, da montanha esses espaços, que poderiam ser apenas mais um no amontoado de lugares conhecidos, se torna um lugar guardado em sua memória, por possuir um sentimento qualquer que te liga a ele. Um exemplo disso é o próprio fato deu ter atribuído importância e significado ao Cemitério do Peixe antes mesmo de conhecê-lo. Eu sabia que seria um lugar muito diferente, pois quando fiquei sabendo dele, foi numa conversa onde essa geografia popular aflorou muito. Se eu tivesse lido sobre esse lugar em um artigo de geografia, que fosse feito para vender em feirões acadêmicos, eu provavelmente não me ligaria tanto a ele. Eu não criaria o sentimento que me foi passado, pois a descrição pura e simples, baseada em uma única forma de entendimento, o tornaria apenas mais um.
Se ao invés de ter ouvido uma historia e viajado em sua geografia, eu tivesse lido algo como: O Cemitério do Peixe, um povoado perdido e abandonado no meio das serras, que sobrevive graças a uma festa religiosa que acontece em agosto, é um lugar vazio, onde apenas uma pessoa vive. Essa moradora trabalha em uma fazenda ao lado, e seus dois filhos também trabalham na região em fazendas vizinhas. A festa que ocorre na região leva a vila mais de 5mil pessoas. Essas pessoas vindas de diversos lugares da região e até mesmo de outras partes do Brasil, transformam o lugar em uma pequena cidade, onde o comercio ocorre intensamente, transferindo capitais de uma cidade para a outra, em uma espécie de feira livre.
Bem, essa descrição é correta, e define bem o que acontece no lugar, mas ela não transmite nenhuma emoção em que seria possível definir melhor o que realmente é o lugar. A história que eu fiquei sabendo do Cemitério do Peixe foi muito mais descritiva para mim, em termos de geografia. Ouvi dizer de um lugar remoto, embrenhado nas montanhas, onde apenas as almas habitam as casinhas vazias. Para se ir lá, tem de se pedir licença as almas, e assim você pode escolher uma das casas vazias para ficar. Nesse lugar perdido, apenas uma moradora convive com as almas. Existe uma festa que ocorre todo ano, na segunda semana de agosto, em homenagem as almas. Pessoas vindos de todas as regiões chegam fazendo e pagando promessas e trazem consigo uma fé tão forte, que transforma o lugar. Mais de cinco mil pessoas se amontoam em busca de um espaço no lugar sagrado. Dizem que nas noites vazias ao longo do ano, só os grilos e o som do rio ao fundo quebram o eterno silêncio. O vento corta o lugar, levando consigo os pedidos e as promessas feitas na festa de agosto. Lugar mágico, por ser sagrado. Lugar raro.

Essa descrição, um pouco diferente, não é a reprodução total da realidade, mas para mim ela transmite mais o que é o lugar realmente, e qual a sua importância. Um lugar lendário, que vive no imaginário do povo, um espaço sagrado onde o homem transcende e encontra com seu EU. Na cultura popular de diversos povos, os lugares sagrados existem de diversas maneiras diferentes. Para entender esses espaços, a descrição pura e simples não resolve, porque por ser sagrado, o lugar envolve sentimentos que não são explicados pela razão. Qual razão se dá a um lugar habitado por almas? Nenhuma, pois não é para ter razão. O homem sente enorme necessidade de se banhar em ambientes em que sua percepção da realidade possa fugir da razão. Uma outra experiência que comprova isso, é um jogo de futebol, onde milhares de pessoas vão a um lugar ver uma disputa sem nexo algum, que não lhe trará nenhum retorno físico, mas sim espiritual.
Saindo um pouco dessa idéia de descrever o peixe e voltando a geografia, quero tentar explicar porque eu vejo a geografia como uma ferramenta e não como uma ciência. A geografia funciona como uma ferramenta que serve para descrição dos ambientes, caminhos, paisagens vividos e imaginários. Geografia é uma ferramenta que te ajuda a explicar para outra pessoa como um lugar é, como chegar até determinado local. O homem utiliza dessa ferramenta desde o momento que se aventura a sair de um lugar e ir para outro, e assim tendo de seguir um determinado caminho, ele utiliza-se de descrições ou de pontos referenciais. Para explicar como um determinado lugar é, ele utilizará de seu conhecimento, que pode ser grande ou pequeno sobre determinado espaço.
O que o curso de geografia faz, é acrescentar acessórios e melhorar a tecnologia dessa ferramenta. Com o conhecimento adquirido, posso interpretar, explicar, e compreender melhor qualquer espaço que eu tenha interesse ou não até. Utilizar essa ferramenta te traz a capacidade de entender melhor o que está acontecendo ao seu redor. A geografia que um matuto do mato faz, é infinitamente mais simples que a minha, pois ela se trata apenas de poucos lugares, e de um uso bastante rudimentar da mesma. Eu no meu ver, posso não conhecer nenhum lugar que ele me contou, mas consigo utilizar dessa ferramenta e combinar a fala do matuto e imaginar melhor como é o lugar, ou como seguir tal caminho. Seu conhecimento do local é e será sempre indiscutivelmente maior que o meu, mas meu olhar sobre a mesma paisagem será também indiscutivelmente maior que o dele. Principalmente porque, ele enxerga naquele ambiente apenas o que lhe é importante, como uma passagem especial, uma trilha escondida, ou uma cachoeira. Eu enxergarei não só a cachoeira, mas também, todo o processo de formação da mesma, as rochas que a forma, o padrão de drenagem, o clima, a vegetação de uma forma que constitua descrições separadas que formará para mim o todo daquele lugar. Quando me perguntarem sobre a cachoeira, terei muito mais informação para passar que o matuto, mesmo ele conhecendo ela muito mais que eu. Isso não quer dizer que ele não saiba nada, apenas que eu com um conhecimento maior posso utilizar a minha ferramenta geográfica com maiores informações para um entendimento do lugar.
O uso dessa ferramenta cotidianamente, faz com que se apure a técnica com ela. Hoje enxergo realidades múltiplas, pois tento ver como as pessoas estão exercitando sua geografia. No Mineirão, por exemplo, eu vou não só para ver o jogo, mas para presenciar toda uma festa, toda enorme movimentação de pessoas, toda a estrutura do sistema por traz da espetácularização do futebol, toda a sensação que os gritos de uma massa humana conseguem transmitir. Olho o rosto de cada um e percebo suas emoções, e imagino toda uma vida por traz daquele individuo, e quando sai um gol, percebo que toda uma carga de energia que ele gerou na expectativa do mesmo, é solta em alegria e energia física, numa explosão muscular que vai além do simples ato físico, mas psicológico. Uma enorme quantidade de hormônios é liberada, e toda a realidade que ele vivia muda, pois agora seus sentimentos também mudaram. Ninguém duvida da capacidade do nosso corpo de nos causar sensações incríveis. A fé por traz do Cemitério do Peixe, também pode ser mostrada da mesma forma como no futebol.
Esse poder da Geografia, de ser capaz de montar todo um espectro de realidades, e de descrevê-las é o que mais me atrai para o uso dessa ferramenta. Acredito que o mundo acadêmico destrói um pouco essa interpretação da geografia, pois a transforma em uma ferramenta de uso simples, e consumista. Se faz geografia apenas onde se paga para fazê-la. Usar um conhecimento em uma ferramenta como a geografia, para simplesmente plotar dados em um mapa feito no arcgis, pra mim não é fazer geografia, é simplesmente ser um cartógrafo virtual. É ir diminuindo ao pouco a geografia ao meio puramente técnico. Não se fazem geógrafos, se fazem técnicos em usar a ferramenta geografia. Ignora-se a geografia popular, pois não a percebem como geografia. Acreditam que geografia é uma ciência indefinida, mas é perda de tempo, pois geografia não é ciência. Geografia é uma ferramenta que utiliza diversas ciências e áreas de conhecimento, diversas técnicas e fontes em que bebe para tentar entender e descrever a realidade.
Esse meu entendimento de geografia é o que me tem feito mais gostar dessa ferramenta, que consegue não só me mostrar o mundo, mas de me fazer bem, por entendê-lo cada vez melhor. E claro, entendê-lo do meu jeito, porque o planeta é um só, mas o mundo, ah esse são muitos.

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