terça-feira, 24 de maio de 2011

É o tal progresso...

Bem to aqui sentindo calor e me coçando um pouco, mas já to acostumado a isso e curtindo demais a prisão de luxo que me encontro. Bem esse email aqui , não é para falar do que to fazendo, nem de onde to, nem como é e tal, é mais uma reflexão que venho fazendo sobre esse lugar tão diferente do que estamos acostumados e que infelizmente vem sofrendo dos mesmo males que sofremos ai.

Tudo começou na sexta passada quando fui a Ilha da Fazenda, uma simpática vila ribeirinha que fica aqui perto, e tem sua existência remontando ao inicio do séc.XX. Bem lá junto dos arqueólogos que procuravam informações sobre possíveis sítios arqueológicos, eu fiquei de bobeira observando tudo que acontecia no entorno, nas pessoas e suas relações. Juntando o contato que tive com os peões daqui, os “chefes”, os garimpeiros e os moradores diríamos mais tradicionais, comecei a refletir muito sobre como a imposição desse modo de vida urbano e alucinado é devastador para as pessoas e para a região.

Em um momento na quinta entrevistamos um senhor de 85 anos, e na sexta um outro de 90 que nos guiou até o sitio que ele viveu a maior parte da vida, tendo mudado para a vila a poucos anos, mais pelo estado de saúde, e porque seus filhos não o deixaram ficar sozinho na ilha que ele vivia.

Esses dois senhores tiveram vidas muito distintas, e me mostraram como nosso preconceito e idéias metropolitanas são impostos como verdade e achamos muito errado quando alguém não as seguem. Num primeiro momento, EU um ser metropolitano, acho absurdo e inconcebível as pessoas morarem isoladas em casas espalhadas ao longo dos rios amazônicos, sem luz, água, sem auxilio nenhum e vivendo praticamente como bicho. Mas isso é um preconceito enorme que possuo, porque sou naturalmente uma pessoa que vive rodeada o tempo todo por pessoas e informação, e hiperativamente pensando não conseguiria viver tão isolado assim.

Bem um tiozim o Seu Zé, viveu a vida toda na região da Volta Grande do Xingu, e nos seus 90 anos de vida, raríssimas vezes saiu daqui e foi até Belém, e isso já nos últimos anos, para cuidar da saúde. Fui ao ultimo sitio que ele viveu fora da vila, e lá havia um pomar com muitas e variadas frutas, além disso, a caça e a pesca sempre foram as atividades que Seu Zé fez na vida, para se alimentar e conseguir chegar até os 90 anos. Dormir mais de 10horas por dia também foram segredo para tanta saúde em idade avançada, e não só o sono noturno, mas principalmente o diurno pós almoço, que ele diz que é o que mais recupera. Nos vivemos num ritmo tão louco que achamos um absurdo uma pessoa dormir tanto tempo, algo desnecessário, uma vez que poderia estar trabalhando e produzindo . Bem o paraense é um povo bem mais preguiçoso que nós mineiros, muito porque o calor impõe o descanso no meio do dia, e muito porque o sangue indígena ainda é forte entre a população. Não acho isso algo ruim, e eu um pseudoanarcohippietilelemetropolitanu amante do não trabalho, vibro ao ver o tiozim nos seus 90 anos, dizer que nunca trabalhou para ninguém, vivendo sempre da subsistência.

Porém, há um tanto de coisa acontecendo agora na região e é impossível hoje alguém ter a vida que Seu Zé teve, porque Seu Zé nasceu muito antes de existir algum cartório na região que o registrasse e só na década de 80, foi registrado como cidadão brasileiro, e assim a ter compromisso com o estado. Mas na década de 80 , seu zé já era velho demais para trabalhar com qualquer coisa, e foi registrado tendo seu oficio o de pescador. O lance do trabalho como algo que temos que ter a todo custo para o bem geral do mundo, ainda é “recente” na região, apenas entre os forasteiros e os garimpeiros, mas esses é um caso a parte que depois vou falar.

Seu Osvaldo, senhor de 85 anos, teve uma vida inacreditavelmente louca, um dia conto para quem quiser, mas a questão é que ele sempre trabalhou em trabalhos aleatórios pela região aqui, e só agora, véio de guerra, e já debilitado pela avançada idade, parece entender um pouco do que foi sua vida. Contando histórias inacreditáveis, ele se recorda do tempo de garimpeiro na região, e de como o trabalho fora duro para ele todo o tempo. Vendo a relação do trabalho remunerado e obrigatório e o trabalho de subsistência, percebo que o segundo foi bem mais tranquilo e possibilitou uma vida mais agradável do que o primeiro, sempre estafante e insuportável.

A imposição do progresso é o maior problema para a região, que no meu ver, não tem porque viver como nós urbanos. A vila ressaca, principal vila dos garimpeiros, é uma favela como as nossas, feita as pressas, com as casa umas ao lado da outra, com vielas, esgoto a céu aberto e tudo mais. Ela foi construída pelo garimpo, e hoje, é morada dos inúmeros peões que trabalham aqui na mineradora. Bem, ai vive um drama a região, porque EU um Geógrafo feliz defensor do planeta, gostaria muito que esse lugar não fosse mais destruído, e que essa mineração não ocorresse. Eu e a galera da arqueologia ficamos horas discutindo quanto é difícil ir de encontro ao progresso, pois por mais paia que seja a mineradora rolar, ela é o emprego de toda uma vila. Bem essa vila existe a principio pelo garimpo, mas com a mineração, vai crescer e atrair mais gente, e assim ficando mais difícil ainda de desfazer esse nó do progresso.

Mais gente significa mais destruição, mas também significa mais gente trabalhando, mais gente consumindo e mais gente “feliz” segundo os ditames do progresso. E ai é impossível eu chegar e falar para qualquer um, que essa mineração é paia e tal, porque eles mesmo acham isso, mas retrucam dizendo que é a única opção que tem de vida. Bem isso não é verdade, porque eles a principio nem deveriam estar aqui, já que aqui não deveria ser um lugar de trabalho, e sim de subsistência. Mas já que estão, não dá para simplesmente falar, saiam daqui, ou vão viver da caça de da pesca , porque isso é uma ilusão que não vai acontecer.

Esse exemplo do progresso como desculpa para tudo é foda, porque se o cabra que vive aqui, não fosse bombardeado com a ilusão de que o consumo e o trabalho são a salvação, eles poderiam sim estar vivendo de modo mais “sustentável” para alegria dos ambientalistas da metrópole. Mas eles vão viver exatamente como a gente ai na cidade, consumindo, trabalhando 10 horas por dias, e nas poucas horas livres pescando na beira do rio, como fariam se não lhes fosse imposto o trabalho

Infelizmente eles também não têm mais a escolha de viver da subsistência, porque simplesmente eles não tem terra para plantar, muito menos direito de caçar na região, já um tanto devastada pelos pastos e com várias matas secundárias que são o inferno aqui na Amazônia. Os trabalhadores daqui, são completamente diferentes dos do Sul, já inseridos e devotos do trabalho como salvação da vida após a morte. Aqui eles estão mais afim de vadiar e enrolar, do que passar suas horas em ocupações penosas que eu nunca animaria fazer nem fudeno.

Toda essa questão é um tanto quanto complicada e Belo Monte vem usando os mesmo argumentos de merda de sempre do Progresso, que impede qualquer pessoa sensata de discutir, porque ir de encontro ao Progresso é osso. Mas se perguntarem às pessoas, se elas querem luz e tv, ou caça e pesca, elas vão escolher a segunda opção, porque para o ribeirinho do Xingu, o tempo não é o mesmo que para a gente, e se pra gente é um tormento ficar horas sentado vendo o vento balançar as foia das arvere sem fazer nada, para eles é a diversão que precisam para viver.

Ai vem uma critica: Oliver seu JOVEM tilelê, você ta ai todo pomposo se achando o entendedor, mas você não acha, que eles merecem também a TV, o celular, e tudo mais que nossa vida urbana tem de bom para oferecer?
Respondo: NÃO. Isso faz parte do processo humano de querer aceitar apenas aquilo que lhe é corriqueiro, comum, e o que não é igual o dele é ruim, e deve ser mudado para ficar igual. Faz parte da total aculturação que vemos vivendo, de transformar cada um, em parte de um todo consumista e “feliz”. É a velha história de que isso é gosto e gosto não se discute. Sempre queremos que as coisas sejam mais parecidas com aquilo que estamos acostumados. E ai volto na conversa com os dois tios, que viveram muito diferentes e hoje são vizinhos. Pergunte a eles, que viveu mais feliz? Os dois responderão que viveram Felizes.

LÓGICO que isso é a minha interpretação dessa realidade vivida por aqui, e acredito que sim, que essa merda já ta toda fudida, então melhor seria se pelo menos esses ribeirinhos tivessem a escolha de continuarem a viver do rio e tal, e não serem obrigados a terem de trabalhar nas obras que virão. Na vila ressaca existe um posto de recrutamento, faixas e propagandas espalhadas por toda parte para trabalhar em Belo Monte. Quando se pergunta a alguém o que ele acha disso, ele sempre vai dizer, “bem , é um trabalho né, tenho família pra sustentar, e preciso dele”. Porém muitos dos que irão trabalhar, nem são daqui e nem deveriam estar aqui, e ai fica impossível dizer a esses que vivam da subsistência feliz e tilele, porque eles estão aqui apenas para o trabalho.

No mais, irei melhor pensar essas coisas, e trago a quem se interessar, um pouco mais dessa critica ao progresso desnecessário que são obrigados a passar os moradores daqui.

Até lá vou ficando por aqui sentindo calor e me coçando, hábito comum por essas paragens, onde o tempo nunca foi marcado pelo relógio da fábrica. Posso ter um chefe, respeitar regras, fazer um relatório pré moldado, mas de resto sou livre para viver e pensar o que quero, e isso que vim buscar aqui no Xingu. Um pouco da liberdade difícil de se achar ai nos escritórios belorizontinos...


Abração a todos e dia 02/07 90% confirmado a festa Geonina hein!!! Vamo que vamo!!!

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