Era uma fria e seca manha de agosto na Bhbilônia, e todos já estavam acordados. Aquele dia não era um dia comum, nem um final de semana, nem feriado. Era o dia da ultima festa de toda a metrópole. Os donos do poder, poderosos e invejosos da felicidade, haviam criado uma lei que proibia toda e qualquer demonstração de felicidade e isso incluía todas as festas. Naquela manha, antes mesmo do sol nascer, as pessoas já se aglomeravam nos pontos de ônibus, mas não para irem trabalhar, estavam indo se reunir nas praças da cidade, para festejarem pela ultima vez. Havia sido uma medida polemica, mas aprovada por unanimidade no fim pelos donos do poder, que acreditavam que a felicidade só trazia prejuízo a seus negócios. O deus Capital, havia se irritado com a constância das festas e o desleixo dos seus escravos, e o servos do Capital, pensaram que a melhor forma de acabar de fez com as crises e revoltas, era fazer com que o povo não fosse mais feliz, e assim com o tempo, não iriam mais fazer greves para quem sabe aumentarem seus salários para serem mais alegres no stressante cotidiano da Bhbilônia.
Era 6h da manha quando os fogos começaram a pipocar por todo lugar, e assim acordei me preparando para aquele dia especial. O céu estava envolto em uma densa e cinza camada de fuligem e poeira, que quase impedia de ver o Sol nascendo por traz das montanhas. Aquela construção humana cercada de morros e serras escondia-se cada vez mais sob o pesado ar. Lembro-me de ter tomado um café reforçado, e me dirigi também ao ponto de ônibus, pois queria curtir o máximo possível daquele dia. Na praça principal da cidade, em meio aos arranha-céus, um gigantesco palco iluminado por grandes luzes de led, brilhava no inicio da manha. Tudo iria durar apenas 12h, do meio dia a meia noite, e não poderia dar chance ao azar de não curtir todos os momentos. No caminho para o centro um gigantesco comboio passou pelo ônibus do outro lado da gigantesca avenida, que ligava a distante periferia ao fervilhante centro, escoltado por policiais armados até os dentes, trazendo cerveja e comida para festa.
Por volta das 10h da manha, comecei a encontrar meus amigos que também chegavam, e já aguardávamos que os caminhões distribuíssem a cerveja. Estavam sendo montadas também, inúmeras barraquinhas de comida, e logo um agradável cheiro de fumaça de espetinhos, fritura de banha, e o doce das frutas impregnavam o ar. Crianças corriam por toda parte, havia pessoas de todos os tipos e jeitos, de todos os lugares. Do sul e do norte, de leste e de oeste, todos confluíram para o centro da cidade, onde por uma ultima vez, iriam ser felizes. Os fogos começavam mais e mais a estourar, e ecoando entre os prédios, pareciam nunca se extinguir. Era um eterno pipocar, e as crianças que antes se assustavam, agora corriam e pulavam a cada estouro no ar.
Lembro-me bem do momento e que às 12h iniciou-se a festa. Uma explosão de alegria tomou conta de todos, e um gigantesco show começou, com musicas que celebrava a alegria e a diversão. Os caminhões que haviam se espalhado em várias ruas, começaram a distribuir cerveja, e as barraquinhas tropeiros, espetinhos, milho cozido, pastéis e pipoca. Era uma festa imensa, e todos estavam felizes. Houve um momento em que tudo podia ser feito, pessoas escalavam postes, outros brincavam de roda, enquanto a maioria embriagava-se com centenas de latas de cerveja. Não havia briga em lugar algum, e mesmo quando uma sirene tocava, na tentativa de espaçar o povo, o povo se juntava ainda mais, e se abraçava. Lágrimas corriam do rosto dos mais velhos, enquanto os jovens, sem embebedavam mais e mais.
Por volta das 23h, um estridente e gigantesco som ecoou lá do alto da serra, avisando que faltava apenas uma hora. Nesse momento, eu me lembro de estar cantando e dançando, ao redor de uma enorme fogueira, que havia sido feita em meio ao asfalto. Tambores, pandeiros, violas e violeiros, berimbais e rabequeiros, acordeons e triângulos, guitarras e baixos e uma centena de baterias, faziam um som tão gostoso de se ouvir, que abafava as ultimas badaladas, do gigantesco sino montado, para que a meia noite fosse dado o badalar de misericórdia. Havia ainda quem buscasse as ultimas doses, os últimos goles, quando ouvi o ultimo TEEEEEEHM do sino.
Era hora de ir embora, e a embriaguez nos acompanhava, e junto naquela multidão caminhamos na direção dos ônibus, que estavam estacionados nos entornos. Algumas crianças choravam, pois não teriam mais festa de aniversario, velhos ranzinzas diziam que era hora de ir, e que a festa estava terminada. Os ônibus ficaram lotados, alguns jovens voltaram surfando sobre o ônibus, enquanto eu tentava me manter acordado e feliz, mesmo alcoolizado. Meus amigos se dissiparam, e eu seguia sozinho para casa, triste, pois não mais poderia ser feliz. A sujeira logo fora varrida, e a policia truculenta, expulsava os últimos bêbados no tapa. Eu estava na fila esperando meu ônibus que não havia chegado, pois um imenso engarrafamento havia se formado. Cansado e desanimado, deixei-me apagar a memória, e ao acordar no outro dia em casa, não me lembrava de quase nada.
Foi assim o ultimo dia feliz daquela terra. E na fria manha seguinte, uma eterna segunda-feira se iniciou e o povo triste e desolado, voltou ao seu trabalho, agora não mais remunerado, pois não havia mais motivo para sorrir.
"Escrito em homenagem a todas as pessoas mais felizes do mundo..."